A ilusão da “pejotização” impulsionada ao custo da CLT “memerizada”

Brasília-DF, quinta-feira, 8 de maio de 2025


Brasília, quarta-feira, 7 de maio de 2025 - 16:1

A ilusão da “pejotização” impulsionada ao custo da CLT “memerizada”

Em tempos de contratações frágeis e precárias via PJ (pessoa jurídica), quem tem carteira assinada virou alvo de piadas associadas à baixa remuneração e à vida de dificuldades e pobreza, quando na realidade a vida do celetista é plena de direitos constitucionalmente protegidos

Dorivan Marinho/SCO/STF
STF suspendeu tramitação de processos que a justiça do Trabalho reconheceu fraude à CLT. Medida vale até que a Suprema Corte decida em definitivo sobre o tema.

Férias anuais, salário pago até o 5º dia útil do mês, afastamento médico remunerado, 13º salário, licenças maternidade e paternidade. Já imaginou a vida de trabalhador sem essas garantias e direitos?

Esses e outros direitos foram conquistados após anos de lutas do movimento sindical. E foram formalizados em 1943, por meio da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Código trabalhista aprovado pelo presidente Getúlio Vargas.

Por anos, a contratação de trabalhadores para atividades permanentes e com pessoalidade se deu, obrigatoriamente, por meio da CLT. Trata-se de norma que tutela e regula a relação entre cidadãos pessoas físicas e empregadores.

A CLT garante o acesso aos direitos trabalhistas protegidos pela Constituição Federal, de modo a humanizar e preservar o lado mais frágil, que é o trabalhador.

Outros direitos
Traz, ainda, segurança financeira, ao fixar critérios para demissão — que não pode ser arbitrária —, com possibilidade de seguro desemprego, de reajustes salariais periódicos para recomposição do poder de compra perante a inflação e de acúmulo financeiro para custear aposentadorias e afastamentos por questões de saúde.

Mas a CLT não normatiza a prestação de serviços feita por pessoas jurídicas, que são relações consideradas “sem vínculo empregatício”: risco enorme aos trabalhadores.

Reforma danosa
Nos últimos anos, a CLT foi ferida e a Constituição Federal golpeada. Com a Reforma Trabalhista (2017), aumentou a exclusão do vínculo obrigatório e cada vez mais se reduz as responsabilidades do empregador com o trabalhador.

De camarote, a população assiste à precarização ostensiva das relações de trabalho por meio da perda de direitos, redução de remuneração e, ainda, em processo que joga para o trabalhador as custas de qualquer benefício, como Previdência.

Em julgamento no STF
O trabalho fora da CLT é regulado pelo Código Civil (art. 50), que traz limitações à contratação de PJ, a fim de evitar o abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Mas a prática já ultrapassou essas barreiras.

Casos levados aos tribunais trabalhistas foram, em grande maioria, punidos como tentativa de fraude à CLT — quando o empregador exige do funcionário obrigações que geram vínculo trabalhista, mas o contrato é de prestação de serviço.

Empregadores, insatisfeitos, recorreram ao STF (Supremo Tribunal Federal). Ao analisar os casos, a Suprema Corte — tal qual julgou constitucional a Lei da Terceirização, de 2017 — flexibilizou a possibilidade da prestação de serviço por PJ, mesmo para atividade fim e por prazo indeterminado.

A decisão não impediu que novas ações chegassem nas cortes trabalhistas e no próprio STF. Agora, em 2025, a Corte Constitucional pretende dar entendimento único, aplicável para todos os tribunais, no intuito de reduzir o volume de processos.

Hipóteses de fraude
Esse possível resultado afastaria as hipóteses de fraude e deixaria caminho livre para contratações majoritariamente via pejotização de trabalhadores. Trata-se de futuro de insegurança laboral e certamente de queda nas rendas das famílias.

A precarização atinge, ainda, o comércio com a redução do grupo de consumidores e afeta até o sistema de Seguridade Social, pela perda de contribuintes.

Estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) publicado em 2024, a pedido da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), aponta perda de R$ 144 bilhões no INSS, entre 2013 e 2023.

Caso metade dos 35,5 milhões de celetistas atuais virassem PJ, o prejuízo seria de R$ 384 bilhões em 1 ano.

Portanto, não é simples decisão, mas autorização que desequilibra toda a economia.

A quem interessa propagar essa ideia?
Em parte, isso acontece devido ao crescimento do fenômeno que tenta desconstruir a relevância social da CLT: a “pejotização”.

Trata-se da contratação de trabalhadores autônomos, sem vínculo empregatício, na modalidade PJ (pessoa jurídica), que foi legalizada em 2005, pela Lei 11.196 (art. 129). O argumento central foi de que iria reduzir despesas e permitir mais contratações e com salários melhores.

Disseram até que percentuais antes destinados a impostos, como o previdenciário previsto na CLT, seria poupado e redirecionado como incremento para o trabalhador.

Sonho de liberdade e de meritocracia
Esse é outro viés que ajudou a impulsionar o PJ. O ideal de empreender, tornar-se autônomo, fazer a própria jornada e “virar patrão”.

Adotar novas formas de trabalho, por meio de novas tecnologias. O sonho de trabalhar pelo propósito de gerar a própria renda; ganhar tanto quanto se dedicar. “Justo e merecido, conforme o esforço da pessoa”, eles disseram.

Características de prestação de serviço sem vínculo. Mas cerca de 20 anos passaram e, na prática, tem sido bem diferente.

Afinal, já imaginou ter que ir para o trabalho até mesmo doente? Cumprir por anos jornadas exaustivas, só com hora para entrar, sem adicional por tempo extra ou atividade noturna, sem cuidados com insalubridade e outros riscos?

É como retornar à Idade Média ou à Antiguidade.


Da crítica à realidade
Apesar da dimensão dos direitos consolidados, recentemente, a CLT virou tema de piada nas redes sociais, os chamados “memes”. Já viu algum?

“Você é um CLT”, diz um jovem ao outro, ao usar a sigla como referência à pobreza daquela pessoa. “A vida do CLT não é fácil”, viraliza outra publicação lamuriosa e igualmente com ilustração humorística.

Iniciou como brincadeiras, em tom de ironia e com sabor de doce ilusão, com o contexto de precarização e baixos salários como pano de fundo.

A piada ganhou as redes. Mas, aos poucos, veio a conscientização: quando a CLT é ameaçada, os impactos são sentidos por profissionais de diversas áreas, cada vez mais deslocados dos “quadros” de funcionários.

A realidade não mencionada nos “memes” é que os “PJ” não se tornaram donos de negócios. Eles cumprem jornada, sim, e também precisam fazer deslocamentos, bater ponto todos os dias; poucos têm contrato híbrido ou remoto, isso quando existe documento assinado.

Muitas vezes, não têm data certa para receber o pagamento. Alguns só recebem mediante nota fiscal — que requer do “pejotizado” o pagamento de impostos custeados do próprio bolso.

O PJ que quiser ter alguma renda em caso de acidente, gravidez, adoecimento ou mesmo garantir a aposentadoria, deve pagar tudo por conta, o que representa mais gastos. Em contrapartida, o valor do serviço prestado não aumentou: às vezes não chega ao piso nacional da categoria em que trabalha.

Em muitos casos, a falta justificada por adoecimento próprio ou de familiar depende de negociação com o tomador do serviço, do contrário o profissional fica mal visto.

Férias também ficaram à mercê do diálogo e da boa vontade, pois seria como parar de trabalhar naqueles dias e talvez perder o “cliente”.

Sem contar na dificuldade de manter empresa sem capital de giro, já que muitos caíram de paraquedas no empreendedorismo.

De acordo com o Sebrae, 50% das empresas fecham com 5 anos de funcionamento. Em 2024, mais de 854 mil fecharam as portas, segundo os dados do Mapa de Empresas do governo federal.

Então, neste jogo da suposta autonomia laboral quem está em desvantagem? O celetista “memerizado” ou o trabalhador pejotizado?

Quem lucra quando o trabalhador não é devidamente remunerado?

Parece que a brincadeira mudou de lado… Após a repercussão, os memes com teor de lamentos por ser CLT também deram espaço a outras imagens, enaltecendo a necessidade e a vontade de ser trabalhador com carteira assinada.

Ao que parece, jovens perceberam que o problema não está em ser celetista. O que precariza é a recorrente perda de direitos promovida por grupos políticos, notadamente os de direita, que historicamente penalizam os trabalhadores.









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