Direito à desconexão: Os(as) profissionais da educação precisam de tempo para amar e serem amados(as)

Brasília-DF, sábado, 7 de dezembro de 2024


Brasília, segunda-feira, 21 de outubro de 2024 - 18:49      |      Atualizado em: 31 de outubro de 2024 - 9:42

Direito à desconexão: Os(as) profissionais da educação precisam de tempo para amar e serem amados(as)


Por: Por Romênia Mariani, da Contee.

O mercado capitalista funciona 24h comprando o tempo e precarizando as relações de trabalho. Paga-se pouco e a cobrança é absurda. O regime é desumano: sobrecarga de trabalho, assédio moral e descanso minguado.

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A hora da pausa na vida do (da) trabalhador (a) está cada vez mais escassa. O cotidiano frenético, intensificado pelos avanços tecnológicos, vem corroendo desejos e engolindo a vida lúdica, triturando a felicidade.

O (a) trabalhador (a) já acorda pensando nas obrigações infinitas a cumprir. O café é bem rápido assistindo o jornal da manhã ou ouvindo as principais notícias do dia pelo podcast da preferência. As refeições em família quase não acontecem. A jornada inicia cedo e o momento do término é uma incógnita.

A rotina dos profissionais da educação é um retrato dessa realidade insana e cruel. Parafraseando os versos musicais de Benedito Lacerda e Ary Barroso: o (a) professor (a) trabalha como um (a) louca (a), mas ganha muito pouco. Por isso vive sempre atrapalhado (a). Falta um zero no ordenado deles (as).

O capitalismo impõe uma lógica de produtividade incessante, muitos trabalhadores, especialmente os da educação, se veem aprisionados em um ciclo de exaustão sem fim. O trabalho, que deveria garantir a sobrevivência digna se transforma em um fardo esmagador, que consome todas as energias físicas e emocionais da classe trabalhadora.

Com as plataformas digitais espalhou-se a ideia de que automatizando as coisas haveria uma economia do tempo. Lêdo engano. Ilusão. Houve na verdade um aumento das atribuições. O professor, por exemplo, além de preparar/ministrar aulas, corrigir provas, acompanhar o progresso dos alunos, ainda tem que se preocupar em alimentar sistemas de notas e de relatórios, bem como responder as intermináveis mensagens que chegam pelas redes.

O expediente do professor não acaba quando o alarme da escola avisa que os estudantes já podem seguir para os seus lares. Em casa, esses profissionais se veem obrigados a conciliar afazeres escolares com as atividades domésticas e demais demandas pessoais.

O capital exige que o (a) trabalhador (a) esteja sempre “ligado”, sempre de prontidão para produzir mais, para fazer mais, sem que haja tempo suficiente para se recuperar ou para viver de forma plena.

O fenômeno de hiperconectividade, estimulado pelas tecnologias digitais, tem turbinado essa carga de responsabilidade. A exigência de estar sempre disponível, especialmente em tempos de ensino remoto e híbrido, faz com que muitos educadores sintam que não podem se desconectar, mesmo quando o horário de trabalho oficialmente encerra. A pressão por desempenho, que inclui metas de aprendizagem e resultados de avaliações, também agrava a situação, criando um ambiente de enorme cobrança e desassossego.

Não bastasse tudo isso, esses profissionais também enfrentam turmas superlotadas, lidam com condições precárias de infraestrutura, falta de recursos pedagógicos e com a ausência de políticas públicas definitivas.

A “plataformização da educação” tem retirado dos (as) educadores (as) o tempo do lazer e do autocuidado. O ofício invade o tempo da vida com força. O trabalho full-time figura cada vez mais no mundo contemporâneo. O acúmulo de tarefas massacra.

Essa exploração inesgotável gera consequências devastadoras para a saúde mental dos (as) trabalhadores (as). No livro “Seminários – trabalho e saúde dos professores: precarização, adoecimento e caminhos para a mudança”, pesquisadores enfatizam que muitos professores têm adoecido por transtornos mentais, como síndrome de burnout, estresse e depressão, tanto na rede pública quanto na rede privada. Sintomas físicos também foram citados, como os distúrbios de voz e lesões nos músculos, tendões ou articulações.

O estudo, que deu origem à presente obra revelou que entre 2018 e 2023, os transtornos mentais tornaram-se a principal causa de afastamento de educadores das salas de aula. Até então, o adoecimento vocal era a razão mais recorrente para as dispensas.

O cenário é estarrecedor. Pelo menos 71% dos professores brasileiros estão estressados pela sobrecarga de trabalho, mostrou um estudo feito pelo instituto de pesquisa Ipec, encomendado por entidades como Todos Pela Educação, Itaú Social, Instituto Península e Profissão Docente. A pesquisa foi realizada com 6.775 professores de escolas públicas (municipais e estaduais) de todo o país, entre julho e dezembro de 2022.

Levantamento da Universidade de São Paulo (USP), em 2023, sinalizou que 22% dos professores no Brasil sofrem de depressão moderada a grave, com 19% apresentando sintomas claros de síndrome de burnout (esgotamento profissional).

Só no Distrito Federal, em quatro anos, mais de 14 mil servidores da educação precisaram ser afastados das atividades por problemas de saúde mental. De acordo a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Administração (Seplad), de 2019 a 2022, foram emitidas 14.154 licenças por “transtornos mentais e comportamentais”. Em 2023, de janeiro a abril, quase atingiu a marca de 2 mil afastamentos.

O direito à desconexão, em um quadro onde o capitalismo parece absorver todos os momentos do cotidiano, se torna uma necessidade prioritária para proteger o bem-estar dos profissionais. Quando o trabalho ocupa o tempo inteiro, o ser humano perde o equilíbrio, quesito indispensável para a sua saúde mental e emocional.

Em um sistema capitalista que se sustenta da sobrecarga e da exploração, a desconexão é um ato de resistência, uma forma de afirmar a dignidade humana e garantir que a saúde psíquica não seja sacrificada no pedestal da produtividade arquitetado pelo mercado capitalista.

Os trabalhadores, especialmente aqueles que atuam em profissões que pedem grande dedicação emocional, como os professores, precisam de tempo para se recuperar, para se reconectar com suas famílias e com suas próprias necessidades.

O descanso não é uma concessão, mas um direito legítimo para que o trabalhador continue a existir como sujeito livre, dono de suas vontades, e não apenas como um instrumento de produção.

O direito à desconexão é um passo imprescindível para a valorização da profissão docente. Reconhecer o direito ao descanso e ao desligamento fora do expediente é uma forma de respeitar a saúde mental desses profissionais, assegurando que possam cumprir seu papel de educadores de maneira sustentável.

A desconexão, portanto, não é um luxo, mas uma medida essencial para preservar a sanidade e permitir a recuperação da autonomia do indivíduo sobre sua própria vida.

Educadores não são máquinas. É pertinente criar um sistema de apoio robusto para os professores, com políticas públicas que integrem a saúde mental como prioridade dentro das escolas. O acesso a serviços de psicologia escolar, a redução da carga de trabalho excessiva, o reconhecimento do papel fundamental do educador e o incentivo a um ambiente de trabalho saudável são passos determinantes para mitigar os danos causados pelo estresse e pela pressão.

Está na hora de a Venda do Tempo colocar na vitrine o tempo dos sentimentos e dos sonhos. O trabalho não pode ser o ponto de partida e chegada como prega os neoliberais. É inaceitável a dignidade da pessoa humana penhorada no mercado capitalista.

O trabalho não é começo, meio e fim, o trabalho é um caminho que deve ser entrelaçado com as emoções, com o pulsar a vida. Caso contrário, a classe trabalhadora será fisgada pela parte triste do pensamento do Poeta Manoel de Barros: “se a gente não dê o amor, ele apodrece em nós”. Os (as) profissionais da Educação precisam de tempo para amar e serem amados (as).

 

Publicação original do Portal da Contee.









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